28.11.13

January 16, 2017



            A viga esquerda da ponte Jeanne Martyn até os dias de hoje é famosa por todos que cruzam o Clinton River, mas quase ninguém sabe o verdadeiro motivo de vê-la figurada com destaque nos mapas turísticos de Sterling Heights ou no Google Maps. Não é qualquer um que o cruza senão pela ponte, o que lentamente transformou o fato num tipo de “saber local”; um saber suburbano de poucos e cada vez menos. Até antes da reestruturação da ponte na década de oitenta, ao rio era permitido o tráfego por banhistas em geral e esportistas do remo olímpico, além de toda gente. Me recordo vagamente, apenas por que muitas eram as críticas. Havia um incentivo ridículo da prefeitura aos esportes com o fim de atrair recursos federais e outras coisas no âmbito político da época. Eu mesmo nunca cruzei o rio, nem mesmo de carro. Nem mesmo quando era seguro. Hoje em dia só mendigos e vândalos passam por lá - Mas tanto os banhistas quanto os mendigos sabem da viga esquerda da Jeanne Martyn. Se perguntados, cada um no seu tempo, contariam a mesma história. Dia a dia, com os curiosos detalhes de quem realmente esteve lá, mesmo não estando, e com a mesma reserva e temor que fez os engenheiros e construtores da época evitarem a remoção da viga.

             Me encanta esse tipo de misticismo urbano, mais do que qualquer curiosidade leviana da história ocidental. Ele resiste ao tempo com uma fidelidade peculiar. Não há interesses governamentais nem poderes de origem alguma que se esforcem em ocultá-la ou forjá-la – Talvez até houvesse. Valorizar os terrenos ao redor do Clinton River? Acredito que em algum momento houve tal inclinação. Seja como for, não resistiu aos tratos da história. Foi implodida com a imigração ilegal, com certeza, e a necessidade de acomodar inúmeros problemas sociais. Superpopulação, violência, queda do poder aquisitivo, das ações estatais, da moeda. A recessão americana e o polo industrial estrangeiro que se ergueu e amalgamou tudo ao redor. The Great Sterling Heights, como passou a figurar nos veículos da mídia. No sentido de encarneirar e aquartelar essa massa de mão de obra barata e ilegal, deixar Jeanne Martyn intocada foi estratégico. Sem ganho ou perda para ninguém, a bem dizer. Nenhum porquê. Somente um fato local e imparcial que tornasse possível auxiliares mecânicos e chapeiros eslovenos alugarem um apartamento qualquer nos arredores da Honneu Boulevard e nas baixadas do Golerin. Só por acaso - um fato tão cruel, tão macabro, que meramente citar o evento joga o valor do metro quadrado ao terço, além de gerar um desconforto no mais débil dos caipiras, no mais cético dos burocratas. É esse tipo de coisa que sobrevive às crises e conserva a verdade como a tequila conserva o seu verme.

                O mundo seria mais interessante com mais vigas e pontes como Jeanne Martyn, e defendo essa ideia como a própria vida. A aposentadoria, a experiência e principalmente a relação com a política levaram ao extremo o meu apego à verdade. Acredito que o homem precise enfrentar e temer essa força da natureza mais do que qualquer regime ou divindade, e Sterling Heights é o lugar certo para esse tipo de afrontamento. Mesmo em meio a mais densa corrupção, paira sobre a grande metrópole uma verdade acerba, sem som, que se alimenta de tudo e se permite envolver pelas mais diversas forças da nossa própria mente sem corromper-se... para só então, de súbito desnudar-nos de qualquer ego, de qualquer ilusão, de qualquer resistência. Ela está em toda parte, seja nos condomínios mais caros do New Halmich Parks, seja nos prostíbulos da Latvi-russkaia, e eu a anseio mais que qualquer coisa. O preço pela ambição, a esta altura, pouco importa. Que mais motivaria um sexagenário? Que emoção ou desejo eu não comprei, roubei ou negociei ao longo da vida? A verdade. A verdade é a mais honesta e legítima das motivações, e infelizmente, um luxo para homens na minha posição. Em nome dela tive que ir muito além de meus domínios. Transitei pelas borras cinzas dessa vida como ela mesma, a vida, na sua magnífica e perturbadora engenhosidade. Visitei os umbrais da decadência humana, busquei fontes no limbo, investiguei psicopatas, atormentados mentais. Vaguei pelas coincidências, injustiças e vez e outra abracei um milagre. Muitos me chamaram de lunático, paranoico, doente. Eu estava velho demais para dar-me tanta importância... Tenho idade para saber o que sou. 

Juiz aposentado; colecionador profissional de fatos.

24.11.13

Disclaimer



É recorrente me lembrarem de algum texto ou poema que escrevi. É recorrente me perguntarem se ainda canto, se ainda pinto, desenho. Se ainda faço o que no passado fazia e claro, o que me traz à memória. “Você sumiu!” – dizem, sempre. E “sempre” fica sendo essa palavra estranha de se ouvir, porque “sempre” vai me remeter sempre a uma eternidade cíclica infernal de coisas que haviam sido e de alguma forma ainda estão sendo, sem fim, sem desfecho. O sempre me persegue. E é assim por que “sempre” que me descuido o passado me enquadra violentamente num cruzamento de vias aleatório.
Reencontros improváveis, impossíveis, e o clássico bordão:
“- Você sumiu!”
...
Talvez eu tenha sobrevivido tempo bastante para ceder aos arrependimentos. Tive que aprender a perdoar-me por desistência, e nesse ínterim me achei vivo. De novo. Apesar de todas as referências fúnebres e os velórios velados me encontraram vivo.
Vivi dezenas de vidas e morri na maioria delas. E ainda estou vivo.
Devo a vida e todo o resto aos amigos que estiveram sempre aqui. Lá. Aonde quer que eu estivesse perdido. Um eterno obrigado a vocês, seus veados.

E citando um desses grandes amigos:

“...Com o avançar irremediável da idade, percebeu que além de tudo, iria se esquecer do pouco que já leu, viu, escutou ou pensou. E decidiu escrever.”
Te citei mesmo, vadia-mor. Quem mandou ser genial.

É isso aí.

Que seja só um depósito de banalidades, entulhos, e outras coisas que respiram no abandono. Oficina filial do Inferno. Reflexos do esquecido Jardim da Chancelaria, dos cultos à loucura, das crônicas do Post-Mortem e uma leve pincelada de Coturno Ideológico.

Que pelo menos resista aos invernos da minha inconsistência.

Porque o “Sempre” sempre vai me perseguir, mas eu vou sumir do mesmo jeito.
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 Bitches!